terça-feira, 26 de junho de 2012

Gilberto Gil - 70 anos de muita musicalidade


Creio que quando se chega a um nível de maturidade na música, é impossível medir a dimensão da arte produzida. No caso de Gilberto Gil, que está completando 70 anos, a situação não foge a regra.


Baiano de nascimento e alma, foi uma das revelações que surgiu nos festivais de música nos anos 60. Pouco tempo depois, capitanearia um movimento cultural ao lado de Caetano Veloso e Tom Zé: o Tropicalismo, que abriu as portas para a inquietação por meio da arte irreverente, com foco em nossas raízes culturais mescladas com a cultura pop internacional. Um caldeirão de influências musicais e artísticas.


O preço da irreverência e do ar contestador, em pleno período da Ditadura Militar brasileira, foi o exílio forçado para Londres, na Inglaterra, junto com Caetano Veloso. Quando voltou em 1972, lançou o disco Expresso 2222, que sintetizava suas influências absorvidas em solo internacional, ao mesmo tempo em que resgatava Jackson do Pandeiro, sua principal referência, ao lado do Rei do Baião, Luiz Gonzaga.


E o que se viu depois foi uma sucessão de discos antológicos, a começar pela trilogia do Re (Refazenda, Refavela e Realce), além de outros bem antenados com a música pop e nem por isso menos geniais (Luar, Um Banda Um, Extra, Raça Humana, etc).


Prefiro não comentar sua atuação política. Ele foi até ministro da Cultura. Mas até que ponto isso pôde trazer algo positivo para a classe artística e para a cultura do País, que vive de minguados recursos públicos? Mas isso seria assunto para uma outra postagem, bem mais abrangente e crítica.


Hoje em dia, longe da política, Gil se volta cada vez mais para a sua essência. Gravou um show ao vivo com orquestra de cordas, revisitando parte de sua extensa carreira de forma brilhante. Gravou discos com músicas de Bob Marley e de forró. E não deve demorar para amadurecer (assim espero, pelo menos) um disco com composições de outros artistas. E assim espero que Gil continue refazendo a sua arte, seja como compositor, seja como intérprete. Com certeza ela, a música, sua eterna inspiradora, continuará fiel a ele por muito tempo.

(Texto produzido para o site Lérias)


sábado, 16 de junho de 2012

Luiz Cláudio de Santos para o mundo

Uma das coisas que me dá mais prazer nesta profissão é ter a chance de escrever sobre talentos musicais revelados no Litoral. Pelo simples fato de poder constatar que esses talentos não ficam nada a dever para os que surgem na Capital ou no Rio de Janeiro.

Luiz Cláudio de Santos é um desses artistas tipo prata da casa, que se encaixa nesse perfil. Ex-integrante do trio Jornal do Brasil, que tinha Julinho Bittencourt e Biela completando o grupo, Luiz Cláudio traz na bagagem noites e noites tocando clássicos de nossa MPB no Torto Bar, no Boqueirão.

E agora lança um bonito e bem cuidado CD com composições próprias e de outros autores. Suas influências musicais são tão diversas, que é uma tarefa difícil rotular seu primeiro trabalho como artista solo - o CD que leva apenas seu nome no título.
Trata-se de um caldeirão de influências musicais, que vai do samba de raíz (vide o projeto Cavalo de Praia) até o rock dos Beatles, o reggae de Bob Marley e tantas outras vertentes musicais da música pop contemporânea.

O disco é dividido em três partes, identificados por três letras. Abre o Lado A com característica plural no âmbito musical. Tem Pai Joaquim, um samba com influência da cultura africana na percussão. E segue de forma brillhante com Santo de Barro, com introdução cantada a capela por Luiz Cláudio, com varias vozes em tons diferentes. Váisse é cantada inteiramente a capela e tem um tom quase minimalista, que brinca com os sons das letras. Sassariuca encerra o tal Lado A ao ritmo do reggae.

O Lado B tem o amor como linha mestra. Paixões, uma balada cantada somente ao violão, e as faixas Canção Para Consolar Uma Amiga Que Amo e Ana II exalam sentimento e emoção, junto com o poema Estrela e Farrapo, de Valdir das Neves.

O Lado C tem Imigrantes, canção com a qual todo usuário de ônibus fretado ou que vai trabalhar com o carro na Capital Paulista vai se identificar com a letra que cita até o espetinho do Frango Assado na parada da rodovia. Completam esse lado as canções Curinga, Força Interior e Entre o Cérebro e o Coração, esta última em ritmo de tango, além do samba Negão Almeida (de autoria do jornalista Luiz Nassif).

Aplauso fecha o disco, com uma letra que serve como mensagem de agradecimento para o público (Esse aplauso enche o coração/Esse Olhar/Sorriso Atento Num Canto/Grudado ao Som Da Canção...).

Não poderia deixar de mencionar o auxílio que Luiz Cláudio teve para a gravação do disco. Músicos tarimbados como Alexandre Birkett (que por sinal faz um belo solo de guitarra em Pai Joaquim), Mauro Hector, Cláudio Honorato, Luiz Tuti, entre outros, foram decisivos para o sucesso desse trabalho.

Creio que valeu a pena esperar tanto tempo para ter a chance de poder ouvir o Luiz Cláudio de Santos em um disco, com 100% de sua produção autoral e de intérprete. Hoje, temos um CD de extremo bom gosto para quem curte a nossa boa e velha MPB de qualidade. Um trabalho que trata com respeito nossos ouvidos e, principalmente, nossas mentes e corações. Valeu xará!

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Lô Borges e o seu Horizonte Vertical


Cada vez mais. Lô Borges vai se fechando em copas, ou melhor, em Minas Gerais. Cercado de amigos de origem mineira ou com raízes fortes em seu estado, ele lançou em 2011 o disco Horizonte Vertical, no qual se mostra aberto para novas parcerias , produzindo um som mais pop, próprio para tocar em rádio, apesar de alguns costumeiros experimentalismos sonoros, que sempre pontuaram a sua carreira.

Uma das parcerias foi com Fernanda Takai, da banda Pato Fu, com quem Lô divide os vocais nas faixas On Vênus, Antes do Sol, Xanana e Quem Me Chama. Dessas quatro, Quem Me Chama é a que possui um som pop mais acentuado. E uma letra até inocente em sua mensagem de amor: "Quando vi/Quem me chama/Era tanta coisa pra dizer/Era luz/Era sombra/Era só você o meu querer..."

Samuel Rosa, do Skank, já havia feito parcerias anteriormente com Lô. E desta vez, os dois brindam o público com a canção que dá nome ao disco - Horizonte Vertical, que também tem colaboração de Nando Reis. A letra mostra uma aparente inspiração nos Beatles: "Sem cortinas os olhos vêem bem mais/O horizonte vertical/Recortando a luz que os olhos têm/Vendo um cartão postal..."

E dupla Lô e Samuel Rosa ainda compôs com Patrícia Maês a canção Nenhum Segredo, que mantém a veia pop das demais faixas, lembrando um pouco a fase do disco Todo Prazer, de Lô.

O eterno parceiro Milton Nascimento, com quem Lô gravou o álbum Clube da Esquina em 1972, aparece na faixa Da Nossa Criação, que Lô escreveu com Patrícia Maês, novamente com inspiração beatlemaníaca: "...No rastro dos pedaços/Dos nossos passos/Na imensidão/Onde se encontra a chama/Que não se apaga/Da nossa criação..."

Na faixa Mantra Bituca, Lô Borges homenageia o amigo Milton, que novamente participa nos vocais, tocando o seu inseparável violão.

Lô ainda aparece em três faixas em momento solo: De Mais Ninguém, O Seu Olhar, Você e Eu e Canção Mais Além. Nenhuma delas foge da veia pop observada nas demais faixas.

Horizonte Vertical não tem a pretensão de superar obras consagradas no passado. Mas é uma ótima pedida para o ouvinte saber como está um dos mentores do movimento musical Clube da Esquina no início dos anos 70. Que por sinal, continua respirando os ares mineiros de forma inquieta, buscando inspiração para novas canções.


Link para música Horizonte Vertical

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Paul McCartney volta para o passado


Há tempos que Paul McCartney acalentava esse sonho. Afinal de contas, as canções que nortearam sua infância e a adolescência, vindas principalmente de filmes musicais do cinema, ainda permaneciam em sua mente. E finalmente a ideia saiu do papel, com o velho Macca assumindo o papel de crooner no melhor estilo anos 40/50.

Kisses On The Bottom é basicamente um disco de releituras. Contém apenas duas canções inéditas: My Valentine (parceria com Eric Clapton) e Only Our Hearts, esta última tocada em parceria com outra lenda, Stevie Wonder, com quem já tinha trabalhado nos anos 80 em duas canções, sendo Ebony And Ivory a mais célebre delas.

As duas inéditas, aliás, seguem o mesmo tipo de arranjo das releituras das canções antigas. McCartney fez questão de manter uma sonoridade limpa e básica, semelhante a de um disco antigo dos anos 40, mantendo-se fiel a trilha sonora de sua infância.

Para o público brasileiro, talvez seja um pouco difícil reconhecer as canções eleitas por McCartney para esse disco. Paper Moon é uma das mais próximas, por conta de ter sido regravada também por Natalie Cole no disco tributo ao seu pai, Nat King Cole, nos anos 80. Algumas das pérolas musicais escolhidas foram originalmente interpretadas por nomes como Fred Astaire. Ou compostas por ícones como Cole Porter e Harold Arlen, entre outros.

Ac-Cent-Tchu-Ate The Positive, de Harold Arlen, é uma faixa que exemplifica bem a sonoridade que MCCartney definiu para o disco. Uma batida jazzística bem na linha do já citado mestre Nat King Cole. E uma interpretação recheada de respeito de McCartney pelos seus ídolos.

My Very Good Friend The Milkman, escrita por Johnny Burke, também foi regravada por Eric Clapton em um de seus discos mais recentes. Curiosamente, tanto Clapton como McCartney são britânicos e viveram a infância no auge dos musicais de cinema. Isso talvez explique a paixão que ambos nutrem por essas composições antigas.

Bye Bye Blackbird nada tem a ver com Blackbird, composição de estilo folk de McCartney incluída no mítico Álbum Branco dos Beatles. Trata-se na verdade de uma canção escrita em 1926, por Ray Henderson e Mort Dixon.

Para os beatlemaníacos, Kisses On The Bottom pode ser uma decepção pelo simples fato de ter pouca produção própria de McCartney. Porém, quem for esperto e ouví-lo com a devida atenção, irá perceber de onde o velho Macca buscava tanta inspiração para compor as suas próprias obras-primas. E cá entre nós: quem coleciona Beatles, vai acabar comprando o disco de qualquer jeito.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Quando o blues e o jazz se unem


Quando soube desse disco, fui logo buscando informações pela internet. Eric Clapton, lenda viva do blues e do rock, resolve unir forças com ninguém menos do que o também lendário músico de jazz Wynton Marsalis. Em comum, os dois são defensores da tradição de seus respectivos estilos musicais. Frequentemente gravam discos mantendo-se fiéis aos arranjos originais.

Nesse trabalho registrado em disco ao vivo, batizado como Pay The Blues, a proposta foi um pouco mais ousada. Foi montada uma banda aos moldes antigos, com ênfase no naipes de metais, ao estilo do jazz que era praticado em New Orleans, nos Estados Unidos, no início do século passado. E escolheram um repertório com clássicos dos anos 40/50, além de uma releitura pouco convencional de Layla, de Clapton.

O disco segue a linha musical do mestre Big Joe Turner, um músico que fez bastante sucesso no final dos anos 50, que foi um dos responsáveis pelo que viria a ser conhecido como Rock´n Roll nos anos seguintes. Não por acaso há uma composição feita em sua homenagem e a releitura de Corina Corina, um hit de seu repertório que fez sucesso até no Brasil com outros intérpretes.

Na prática, a sonoridade mescla o jazz tradicional com o rock´n roll dos anos 50, que naquela época tinha uma presença muito forte do blues tocado com guitarra elétrica.

Para os puristas, ouvir Layla com um arranjo bastante modificado em relação ao original pode ser um choque no início. Mas depois da segunda audição, o ouvinte se convence que a proposta é bem interessante e acaba gostando do resultado final.

Pay The Blues é um projeto conceitual, ou seja, fora dos padrões convencionais dos dois músicos. Foi mais um ponto positivo para a carreira do mestre Clapton, que se associa de forma brilhante a outro mito (Marsalis).

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

O soul man está de volta


Certas vozes têm o dom de transportar nossas mentes para um tempo diferente do atual. E impressionam pela qualidade perene que desenvolvem apesar do passar dos anos. Como um bom vinho, elas se aprimoram a cada ano que passa.

Com o cantor de soul Percy Sledge, esta máxima prevalece. Seu disco lançado recentemente, My Old Friend The Blues, é muito mais do que um resgate do passado. Ele provou que sua música atravessou décadas. E ainda serve como referência para a música pop. É uma verdadeira aula de soul para os intérpretes iniciantes.

Para quem não se lembra, Sledge é o cantor que lançou em 1966 o antológico hit When A Man Loves A Woman, que foi regravado várias vezes ao longo dos anos. Mas nenhuma versão conseguiu superar a sua, que continua mais atual do que nunca.

O disco tem 14 faixas, a maioria delas com canções que ele ainda não havia gravado. Curiosamente, os arranjos saudosistas sugerem que elas soem como seus antigos hits. Shinning Through The Rain, por exemplo, tem arranjo calcado na soul dos anos 60, com os metais e a guitarra marcando o ritmo.

A voz de Percy Sledge oscila de forma coerente entre o amargo e o doce. Um timbre agudo que parece querer rasgar os corações a sua volta. Mas que também consegue ser doce ao cantar as indefectíveis baladas soul que pontuam seu repertório desde os anos 60.

Voltando ao disco, as faixas contém canções com influências do folk e soul. E claro, o velho amigo blues também comparece na faixa Big Blue Diamonds. A balada soul Misty Morning só confirma que o mestre continua em plena forma. Impossível não se deixar emocionar com essa sua interpretação.

Infelizmente, o CD ainda não chegou ao mercado brasileiro. E é bem provável que nem seja lançado. Uma pena, pois um artista com a tradição de Percy Sledge merecia um espaço bem maior do que é disponibilizado no mercado fonográfico, que se limita apenas a lançar coletâneas de seus antigos hits.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

De volta ao passado


Poucos discos me empolgaram tanto quanto o último de Phil Collins. Ainda que seja um disco inteiro com covers dos anos 60/70, feito basicamente do som da gravadora americana Motown, é um trabalho passional, no qual Collins busca olhar para trás, mostrando o tipo de som que norteou o seu início na música. O que levou a escolher a profissão de fé na qual se consagraria como um dos maiores nomes do pop rock mundial.

O disco tem vários bons momentos. Collins buscou canções que se moldam bem ao seu estilo de vocal. Mas é preciso entender que ele é britânico e de cor branca. Ou seja: por mais que tente render tributo ao estilo soul, sempre faltará um algo mais, que só um vocalista negro (ou afrodescendente) poderia acrescentar.

Para gravar o disco ele reuniu os músicos que tocavam no estúdio da Motown, apelidados de Funk Brothers. Com seu time de amigos, fez uma cozinha ritmica impecável, que pode ser notada nas faixas Heatwave e Girl (Why You Wanna Make Me Blue). O resultado falha um pouco em canções como Papa Was A Rolling Stone. Mas nas de formato pop, feitas para tocar em rádio, Collins deita e rola à vontade.

A faixa título, Going Back, é de uma rara beleza. Não se sabe bem se é uma despedida (ele enfrentou sérios problemas de saúde nos últimos anos) ou apenas um olhar saudosista para o passado. Mas é certo que a melodia de Carole King e a letra de Gerry Goffin caíram como uma luva para o momento que ele atravessa.