segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Era uma Vez o Homem e Seu Tempo




Há 30 anos, o cantor e compositor cearense Belchior lançava um dos álbuns mais emblemáticos de sua carreira. Era uma vez o homem e seu tempo, o quinto de sua discografia, trouxe para o público toda a sua genialidade como letrista, aliada com músicas de fácil apêlo popular, feitas para tocar no rádio.

Um ano antes ele havia lançado um álbum irregular, que alternava momentos geniais com outros sofríveis motivados por imposição da gravadora (a regravação da canção Na Hora do Almoço em ritmo dançante foi um exemplo disso).

Neste álbum Belchior teve liberdade para criar composições inéditas sem a obrigação de regravar seus sucessos antigos. Abre com o hit radiofônico Medo de Avião, em que brinca com o mito do medo de voar, simulando um flerte com a aeromoça. E ainda mostra a influência musical dos Beatles em sua formação.

Retórica Sentimental, em ritmo reggae, traz uma letra que expressa o seu amor pela cultura brasileira, assim como Brasileiramente Linda, em que exalta a beleza da mulher brasileira. Novamente os Beatles são citados em um trecho da canção.

A parceria com Toquinho rendeu duas canções para o disco: Pequeno Perfil de um Cidadão Comum e Meu Cordial Brasileiro, ambas letras que ressaltam a cultura popular sem cair na tentação do ufanismo.

Tudo Outra Vez é uma obra prima de seu cancioneiro. Mais parece uma reportagem musical, em que cita uma série de referências de sua época, aliada com uma mensagem positiva. (...vou viver as coisas novas, que também são boas. O amor, humor das praças cheias de pessoas. Agora eu quero tudo. Tudo outra vez...).



Outra pérola é Comentário a Respeito de John, composta em parceria com José Luiz Penna. A homenagem ao ídolo John Lennon, o ex-beatle que morreria um ano depois, assassinado a tiros por um fã obcecado nos Estados Unidos, é um dos momentos mais fortes do disco. Tem arranjo predominantemente acústico, onde se destaca o solo de violino. E transmite a mensagem para o público sobre a decisão do artista de viver a sua própria vida longe dos holofotes da mídia. (Saia do meu caminho, eu prefiro andar sozinho, deixem que eu decida a minha vida..).

Voz da América mostra o seu orgulho de ser latino americano, que ele já havia exaltado em uma outra canção bem conhecida lançada anteriormente. A letra quase épica traz uma mensagem igualmente positiva. (..Na fúria das cidades grandes, eu quero abrir a minha voz. Cantar, como quem usa a mão para fazer um pão...).


Espacial é uma canção romântica e atemporal, na qual ele brinca com elementos da poesia e com os sons das palavras. (Deixa o cansaço, apressa o passo e vem correndo pro terraço e abre os braços pro espaço que houver...). Há ainda uma segunda versão de Medo de Avião, com arranjo mais cadenciado. Essa faixa foi composta em parceria com o baiano Gilberto Gil e também tocou nas rádios na época.

Era uma vez o homem e seu tempo mostra Belchior em seu melhor momento como letrista e intérprete. Não há canções medianas ou fracas. Todas são excelentes. Uma pena que os 30 anos de seu lançamento tenham sido ofuscados pelo sumiço voluntário do compositor, explorado a exaustão por uma certa emissora de televisão e pela mídia em geral.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Os 30 anos da decolagem do 14 Bis

Há 30 anos, uma banda iniciava uma viagem musical dentro de nossa MPB. Utilizando o nome do aeroplano criado pelo pai da Aviação, Santos Dumont, e tendo Milton Nascimento com padrinho musical, os integrantes do 14 Bis formariam um dos grupos mais respeitados e queridos do País.

A fórmula começou a ser trabalhada no final dos anos 70 através dos integrantes que faziam parte do grupo de rock progressivo O Terço, no caso, Flávio Venturini (teclados e voz) e Sérgio Magrão (baixo). Os dois uniram forças com Vermelho (teclados e voz) e Hely (bateria), que por sua vez haviam trabalhado com o grupo Bendegó. A inclusão de Cláudio Venturini (guitarra e voz), um talentoso guitarrista e irmão de Flávio, foi um processo natural dentro do projeto musical que tomava forma.

A ideia consistia em fazer um som mais próximo da MPB. O rock progressivo se tornava um estilo cada vez mais segmentado E Flávio Venturini e seus amigos ambicionavam atingir um público maior, tendo como principal influência os Beatles, seja na forma de compor, seja nas harmonias das vozes.

Coube ao músico e compositor Milton Nascimento a responsabilidade de produzir o primeiro disco da banda. E como presente, ele e o inseparável parceiro Fernando Brandt fizeram uma letra em português para a canção Unencounter, de autoria da dupla e que havia sido composta em inglês. Trata-se da célebre Canção da América e o resto da história todos já conhecem.

Um dos segredos do 14 Bis era (e ainda é) o poderoso vocal em coro, incrivelmente harmonioso, que predomina em quase todas as canções, ainda que em determinados momentos um dos integrantes se destaque de forma ocasional. A base instrumental dos músicos, que já tinham uma relativa experiência de palco, só reforçou ainda mais o trabalho realizado.

Por ser de estreia, o disco de 1979 apresenta um repertório impecável. De cara, emplacou nas rádios a canção Natural (que até hoje é executada nos shows ao vivo) e a já citada Canção da América. As rádios também tocaram bastante a faixa de abertura, Perdidos em Abbey Road, que contou com arranjo do maestro Rogério Duprat, um dos ícones do movimento Tropicália no final dos anos 60.

Mesmo as canções menos conhecidas são excelentes. Pedra Menina, Meio-dia, Cinema de Faroeste, Ponta de Esperança e a etérea Sonho de Valsa, entre outras, traziam uma renovação para a nossa música popular no final dos anos 70. Não foi por acaso que os músicos acabaram acertando em cheio o gosto do ouvinte. E emplacariam vários hits nos álbuns seguintes.

Hoje em dia a banda permanece em atividade somente com quatro integrantes, uma vez que Flávio Venturini saiu do grupo no final dos anos 80 para seguir carreira solo. Porém, a sonoridade continua intacta. Quem puder conferir o último trabalho, o DVD ao vivo gravado em Belo Horizonte, não irá se arrepender de embarcar em uma viagem musical que, felizmente, não tem data e nem hora prá terminar.

sábado, 15 de agosto de 2009

20 anos sem Raul Seixas

Escrever algo a respeito de Raul dos Santos Seixas, um baiano que encontrou no rock sua razão de viver, é quase uma obrigação nesse espaço. Sua obra musical, de conteúdo anárquico, que chegou até a incomodar o Governo Militar no Brasil nos anos 70, permanece atual e conquistando novos fãs, 20 anos depois de sua morte em um apartamento na Capital Paulista, vítima de um ataque cardíaco, com apenas 44 anos de idade, depois de uma longa luta contra o alcoolismo.

O rock foi a mola-mestra que impulsionou Raulzito (apelido dado pelos amigos) para a carreira musical. Foi ouvindo discos de Chuck Berry, Elvis Presley e Little Richard que ele moldou sua carreira. E fundiu aquele som novo com algo bem próximo de sua cultura na Bahia: o forró e o baião. Luiz Gonzaga e Elvis Presley eram influências muito fortes e talvez por isso ele tenha enxergado algumas coincidências na forma crua de interpretação de ambos os estilos.

Se o primeiro disco, lançado em 1967, com seu grupo, os Panteras, foi um fracasso, o mesmo não podemos dizer dos trabalhos da década de 70. Além de emplacar hits nas rádios, ele começava a formar uma legião de fãs, que o acompanharia até o final da carreira.

Krig-Ha Bandolo, de 1973, funciona como um marco musical. A introdução do disco é uma gravação de Raul ainda adolescente cantando Good Rocking Tonight de Elvis Presley. E depois segue a irreverente Mosca na Sopa, que já misturava elementos da nossa MPB com o rock´n roll.

A faixa seguinte, Metamorfose Ambulante, composta por Raul na adolescência, é de uma riqueza impar. Trata daquele pensamento de ser mutante, de poder mudar de opinião na hora que se bem entender, de não se mostrar satisfeito com metas fáceis (é chato chegar a um objetivo num instante Prefiro ser aquela metamorfose ambulante...).


E é desse disco o seu primeiro grande sucesso: Ouro de Tolo. Uma letra em tom de deboche em pleno período da Ditadura Militar (Eu devia agradecer ao Senhor por ter tido sucesso na vida como artista. Eu devia estar feliz porque consegui comprar um Corcel 73...)

E os versos finais de Ouro de Tolo acabam soando proféticos, analisando o seu final solitário em São Paulo. (Eu que não me sento no trono de um apartamento, com a boca escancarada, cheia de dentes, esperando a morte chegar...).

As demais faixas são igualmente geniais. As Minas do Rei Salomão, Rockxixe, A Hora do Trem Passar, Al Capone (em que ele aconselha o famoso gangster a mudar de vida) também são recheadas de mensagens fortes e diretas, sem floreios, assim como a etérea How Could I Know, composta em inglês.

O trem de Raulzito continuaria nos trilhos nos discos seguintes. Gita, por exemplo, emplacaria novos hits, colocando Raul entre os maiores vendedores de discos do País. Mas podemos dizer que Krig-Ha Bandolo deu o pontapé inicial para os álbuns geniais que ele lançaria nos anos seguintes.